Pesquisas
No contexto da memória coletiva, o Museu Virtual Noêmia, esse espaço sem paredes, desempenha um papel importante na preservação dessa memória, uma vez que mantem e expõem objetos, documentos, saberes e outras formas de patrimônio que carregam consigo as memórias dessa comunidade, e de outras que fazem parte da história de Cordeiros e região, denominado Alto Sertão. Esses artefatos não são apenas testemunhos do passado, mas também são carregados de significados que moldam as identidades culturais dessas comunidades. *
Na comunidade quilombola do Sapé, zona rural de Condeúba-BA (situada à 18km da cidade de Cordeiros-BA), é possível assistir ao trabalho das artesãs locais que com seus dedos habilidosos e agulhas dançantes vão costurando os fuxicos, pequenas flores de pano que carregam em suas dobras, histórias antigas de vozes femininas que tecem o tempo e que guardam memórias coletivas. Seriam elas, as nossas musas contemporâneas? Na Grécia Antiga, as Musas eram consideradas as guardiãs da memória, no Templo de Mouseion.
_________. Há uma gota de sangue em cada museu: a ótica museológica de Mario de Andrade. Santa Catarina: Argos Editora da Unochapecó; 2ª edição, 2015
CORDEIRO, Tatiane Oliveira de Assumpção. Memória, Patrimônio e Museologia. In: Revista Espacialidades, 2022.2, v. 18, n. 2, ISSN 1984-817X
SANTOS, Antônio Bispo dos. Colonização, Quilombos: modos e significados. Brasília, 2015
O Museu Virtual Professora Noêmia Lourenço da Silva como lugar de memória e voz coletiva
Figura 1: Fotografia do Quilombo do Sapé, comunidade rural de Condeúba.
Fotógrafa Ana Beatriz Damasceno de Araújo, 2024
Figura 2: Dona Dinalva na sua banquinha de feijão (do lado esquerdo) - Mercado Municipal de
Cordeiros – Juvêncio José Salomão Sobrinho. Fotógrafa Ana Beatriz Damasceno de Araújo, 2024
Nesse sentido, o Museu Virtual Noêmia segue os princípios da Museologia Social, abordagem que enfatiza o papel dos museus como agentes de transformação social, promovendo a participação ativa das comunidades na preservação e interpretação de sua própria herança cultural. Diferente da museologia tradicional, que muitas vezes se concentra em coleções e em narrativas institucionais, a museologia social valoriza a voz das comunidades, buscando representar e incluir suas histórias, memórias e identidades de maneira participativa. *
O Quilombo do Sapé, para além da sua poética do fazer ancestral, também é um lugar de resistência e de disputa incessante. É território que carrega marcas de luta, onde a liberdade se negocia diariamente com a história, numa relação de poder que tenta apagar suas raízes. Um quilombo é símbolo, é força de pertencimento, mas também lugar de opressão, de disputa, cujo embate vai além das fronteiras físicas; é também uma disputa simbólica e política, pela narrativa e pela verdade. *
No Mercado Municipal de Cordeiros, o coração da cidade pulsa em cores e aromas, em vozes e risos. Na feira, o cotidiano vira poesia, em cada gesto simples, em cada sorriso, em cada bom dia. É o encontro do velho com o novo, do rural com o urbano, da tradição com a modernidade. É o lugar onde as raízes da cidade se encontram e se renovam, num ciclo sem fim de vida, saberes, sabores e afetos. As feiras municipais funcionam como pontos de encontro onde tradições, histórias e costumes são transmitidos de geração em geração. São espaços onde as narrativas orais florescem. *
Figura 3: Dona Maria - ceramista da Comunidade de Malhada de Areia Mercado Municipal de Cordeiros. Fotógrafa Ana Beatriz Damasceno de Araújo, 2024
Mas, sob essa superfície vibrante, as feiras são também espaços de tensão, onde forças sociais, econômicas e culturais se encontram e, muitas vezes, se chocam. Os mercados populares são também palco de disputas culturais. Ali, tradições alimentares, saberes antigos e identidades locais lutam para resistir ao apagamento em um mundo que se globaliza. A feira se torna um espaço de afirmação e conflito, onde diferentes maneiras de ver e viver o mundo nem sempre se encontram em harmonia.
Sem contar que, o espaço público da feira é uma arena onde questões de classe, raça e gênero se manifestam. Quem pode vender, quem pode comprar, quem ocupa as posições de poder? A feira, nesse sentido, revela as desigualdades estruturais de uma sociedade, expondo as tensões invisíveis que permeiam as relações cotidianas. Assim, por trás do movimento constante das barracas, existe uma rede de disputas que não são apenas comerciais, mas também simbólicas, onde o futuro das culturas locais, dos pequenos produtores e dos trabalhadores informais está sempre em jogo.
A museologia social configura-se também como forma de democratizar o acesso aos museus. Importa para a museologia social que seu patrimônio não se restrinja aos acervos e coleções, mas que inclua também o território, a sociedade, as memórias, as vivências, os saberes e fazeres. São, por isso, práticas museológicas que, em algum grau ou medida, transformam aqueles que a vivenciam. É a museologia para a liberdade, para a autonomia e conscientização que preza a alteridade, a diversidade cultural e a participação da sociedade no exercício da cidadania. (CORDEIRO, 2022). *
Quando museus adotam os princípios da museologia social, eles se tornam mais do que repositórios de memórias; eles se tornam agentes ativos na construção de uma memória coletiva mais diversa e inclusiva.Esse processo contribui para a criação de uma memória social que reflete melhor a complexidade e a diversidade da experiência humana. Assim, museus que seguem essa linha não apenas preservam memórias, mas também as recria junto com as comunidades, ajudando a construir uma narrativa coletiva que é representativa, equitativa e socialmente engajada. *
Por Karine Silva Porto
ARAÚJO GONÇALVES, Luiz Antônio; HOLANDA, Virginia Célia Cavalcante. As feiras populares no Nordeste Brasileiro: aportes iniciais. Revista de Geografia, [S. l.], v. 34, n. 2, 2017. DOI: 10.51359/2238-6211.2017.229253. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/index.php/revistageografia/article/view/229253. Acesso em: 13 set. 2024.
CHAGAS, Mário de Souza. Memória Social em fragmentos: o poder das encruzilhadas e a museologia em ação. Caderno Sesc de Cidadania, volume 15, p.34-38, 2019.
REFERÊNCIAS
Este texto foi desenvolvido com apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022.
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